Apolíneo e dionisíaco

A nossa glória mais alta é a nossa significação de obras de arte – porque só como fenómeno estético nos é possível justificar que o mundo exista eternamente (…) ao possuirmos conhecimento não nos sentimos unidos e identificados com esse princípio essencial que, criador único e espectador único desta comédia da arte, reserva para si o prazer eterno (…) o génio será então objecto e sujeito ao mesmo tempo, será simultaneamente poeta, actor e espectador (Nietzsche, A origem da Tragédia)

Temos pois (…) incomparavelmente simbolizados por meio da arte, o mundo da beleza apolínea e o abismo que ele oculta, a sabedoria terrível de Sileno; e por intuição compreendemos a necessidade recíproca de um e de outro. Apolo aparecenos porém, como imagem divinizada do princípio de individuação, princípio pelo qual se cumprem os eternos desígnios do Uno primordial, a sua libertação pela luz, pela aparência, pela visão: com gestos sublimes é que ele nos mostra quanto o mundo dos sofrimentos lhe é necessário, para que o indivíduo seja obrigado a criar a visão libertadora, porque só assim, abismado na contemplação da beleza, permanecerá calmo e cheio de serenidade.

O espírito apolíneo e o seu contrário, o espírito dionisíaco, como forças artísticas que brotam do seio da própria natureza, sem intermédio do artista humano, forças pelas quais os instintos naturais se aproximam e se satisfazem directamente. (…) pela primeira vez, o alegre delírio da arte invadiu a natureza; o aniquilamento do princípio de individuação tornou-se um fenómeno artístico. O execrável filtro de crueldade e prazer tornou-se impotente: só a maravilhosa mistura e duplicidade dos afectos do sonhador dionisíaco nos faz lembrar dele (…) para me referir ao fenómeno do sofrimento que gera prazer ou da alegria que se exprime em gritos de dor.